Jbay surf e futebol

Hoje não vou falar sobre a etapa de Jeffreys Bay e suas curiosidades, isso você pode encontrar no texto que fizemos há um ano: Jbay – Sobre o pico, curiosidades e previsão! Vou contar aqui a experiência e histórias de um surfista normal, nesse caso eu, nessa icônica onda. Adianto desde já que não é o tipo de artigo que você encontra em revistas de Surf e sinceramente pode não ser do seu interesse a minha história por lá, mas não custa tentar. Você sempre vai ter a opção de desistir no meio da leitura.

O ano era 2010 e eu estava exatamente naquele período feliz e talvez um pouco tenso de “between Jobs”. O sonho era tirar um ano sabático surfando pelo mundo mas a grana e a realidade era de 1 mês surfando pela África do Sul e assistindo a alguns jogos do Brasil na copa do mundo. Surfei em alguns picos ao norte de Durban, em New Pier em Durban e uns 3 dias em Jbay quando o Brasil jogou em Port Elizabeth que fica há uma hora de lá de carro. Boas ondas principalmente em New Pier, mas nada épico. Jbay nesses 3 dias não mostrou sua verdadeira face.

Após a trágica e precoce eliminação da seleção canarinha na copa e depois de acompanhar a Espanha levando o caneco em cima da Holanda, resolvi que era hora de focar no Surf e não tive dúvidas do destino final da trip: Jbay! Por sorte ou por azar, a data coincidiu com a etapa do WCT em Jbay. Sorte porque veria meus ídolos e os melhores do mundo ao vivo naquela onda; azar porque teria que disputar as ondas com eles e principalmente porque não tinha onde ficar!

Cheguei em Jbay logo após o final da copa e tinha uns 8 dias para surfar por lá. A pousada que havia ficado anteriormente naqueles 3 dias estava lotada e todas as outras pousadas perto do pico também. Ou ficaria muito longe ou em uma casa velha e meio suja que a dona alugava os quartos para hospedes que ficava a poucos passos de Supertubes. Escolhi, é claro, a segunda alternativa.

O quarto era horrível, super sujo mas grande e só para mim. Entre os outros hospedes havia de tudo, desde um empreiteiro que não surfava, passando por um surfista da Cidade do Cabo e até um transexual gordo de jeito efeminado e que sonhava em conhecer as pedras de Minas Gerais. Depois de uns dias lá, chega um grupo de estudantes americanos e a louca -que era dona da pousada- me diz que ficou com pena dos estudantes porque eles não tinham onde ficar em Jbay. Colocou uma parte do grupo na garagem e a outra parte no meu quarto!

Apenas para esclarecer ao leitor que me tachou de preconceituoso quando chamei a dona de louca. Louca mesmo! Ela havia me confessado que tinha sido internada por uso de drogas algumas vezes e tinha algumas crenças bem estranhas, a principal e que me lembro melhor é que ela acreditava que a Aloe Vera (Babosa) de Jbay (aquela plantinha que aparece em várias fotos e tem muito por lá) é milagrosa. Atribuía sua saída do mundo das drogas à plantinha e dizia que limpava o corpo de impurezas. Mas o pior é que ela me obrigava a tomar um pouco do chá de Aloe, que tinha um gosto horrível, todo dia de manhã. Tomei alguns dias, mas depois de um pesadelo bisonho em uma das noites fiquei encucado com o tal chá e passei a jogá-lo na pia ao invés de toma-lo todos as manhãs como ela pregava.

[caption id="attachment_429" align="alignnone" width="915"]Aloe Vera (Babosa) de Jbay Aloe Vera (Babosa) planta característica de Jbay[/caption]

Sem problemas, o foco é o Surf! As ondas um pouco antes da janela de espera do campeonato oscilavam entre meio metro e 1 metrinho, o que tornava Super Tubes, a onda principal de Jbay, rápida demais para surfistas comuns. Era acelerar e de vez em quando achar espaço para uma batida rápida ou um floater. Nada demais até entrar o swell!

O Mike, surfista da Cidade do Cabo, que estava na minha pousada falou no dia anterior do swell para me preparar porque as condições pareciam perfeitas e que surfaríamos logo cedo antes do campeonato. Outros tempos, com menos informação disponível, não dei muita bola. Não vi vento e nem o tempo virando e achei que poderia ser blefe ou otimismo demais do Mike. Com o frio que andava fazendo não conseguia me imaginar acordando muito cedo antes do nascer do sol.

Acordo no susto com o Mike berrando que o mar estava clássico para eu correr porque o campeonato com certeza começaria em breve. Sem pensar, pulei da cama, comi um pedaço de pão velho, coloquei o John molhado, peguei a prancha e fui em direção à praia junto com o Mike com o dia já claro, mas com não mais do que 10ºC de temperatura.

[caption id="attachment_428" align="alignnone" width="915"]J Bay em um de seus dias de gala J Bay em um de seus dias de gala[/caption]

As linhas não mentinham e o crowd de profissionais também não. Estava diante do Jbay dos sonhos, mas com poucos minutos sobrando antes de começar o campeonato. Entrei no mar na fúria e relativamente sem problemas mas logo que veio a primeira série eu não podia acreditar no que estava vendo. Mick Fanning, Kelly Slater, Andy Irons, Jordy Smith, um figurão atrás do outro despencando e botando para dentro de tubos incríveis de 6-7 pés plus na minha cara! Um misto de euforia, ansiedade, medo e frustração me assolava.

Comtemplei algumas series sem a menor pretensão de disputar uma onda com esses mitos. Até que em uma onda da série um surfista ficou muito deep no tubo e os outros na minha frente não conseguiram entrar. Sobrou para mim, aquela era a onda certa, no dia certo e no pico certo. O universo conspirou e aquela perfeição tinha meu nome. Virei a prancha com tudo no ponto certo e vaquei lá de cima no que seria a onda da vida! Frustrado e um pouco envergonhado remei de novo para o outside.

Nesse momento o narrador do campeonato já começara a contagem regressiva: 15 minutos! E alguns surfistas começaram a sair. 10 minutos e outros saíram. 5 minutos e praticamente só havia eu e mais alguns poucos persistentes no pico. Quando imaginei que estava quase para começar peguei uma onda intermediária que apesar de ter aberto inteira e ter sido muito boa, eu surfei todo errado e com certeza não acertei as manobras que gostaria.

O campeonato começou em seguida com altas ondas! De fato, o primeiro dia foi o melhor dia de ondas da etapa de Jbay em 2010. Me esquentei, assisti a algumas baterias e mais para o fim do dia surfei Magna Tubes que é uma onda vizinha a Super Tubes. Uma onda super manobrável e tinha 6 pés clássico, mas não tinha muito tubo e nem os melhores do mundo por lá.

Enquanto houve swell houve campeonato, então tirando a manhã das 2 ondas, eu não consegui pegar Super Tubes do jeito. Surfei muito Magna Tubes e no último dia da trip peguei o carro e fui para Plettneberg, uma onda que fica a 2 horas de Jbay! O pico fica na boca de um rio e tem o fundo de areia talvez encobrindo algumas pedras no fundo.

Fui presenteado por um mar clássico de 3-4 pés tubulares e poucos surfistas na água. Fiz a cabeça de manhã e a tarde resolvi fazer a última queda da trip. Uns 40 minutos antes de anoitecer depois de pegar uma onda excelente, vejo um vulto no outside e pensei que poderia ser uma baleia, já que o lugar é conhecido por avistamentos de baleias.

De repente todos os surfistas do outside, uns 6 a 8, pegam a primeira onda possível e saem do mar rapidamente. Por um instante de hesitação, pensei: essas ondas perfeitas só para mim!!! Pouquíssimos milésimos de segundos depois caí a ficha e remo feito um louco atrás da primeira onda possível no melhor estilo retoside!

De volta ao Brasil descubro que Plettenberg é um dos locais que mais tem ataques de tubarão branco da África do Sul. Descubro também que preciso voltar qualquer dia para pegar Super Tubes com aquelas condições épicas que vi, vivi, mas mal surfei.